Última atualização em 15/08/2024 por Diego Mota
Relatórios internos da VoePass revelam que o avião ATR-72 envolvido no acidente aéreo que matou 62 pessoas em Vinhedo, interior de São Paulo, na sexta-feira (15/8), teve pelo menos seis registros de problemas com o sistema de degelo em julho do ano passado.
Os documentos, obtidos pelo jornal O Globo, mostram que, nessas ocasiões, o sistema ficou inoperante. Em uma dessas vezes, foi feita uma recomendação técnica para que a aeronave não voasse para o Sul do país, de modo a evitar riscos em uma região com condições climáticas adversas.
Uma falha no sistema anticongelamento é justamente uma das suspeitas para a tragédia aérea. A VoePass, contudo, afirma que todos os problemas detectados no ano passado foram sanados e que, na sexta-feira, o sistema funcionava normalmente.
Os documentos obtidos pela reportagem mostram que as falhas foram anotadas por mecânicos nas bases de Congonhas e Ribeirão Preto, em São Paulo, e em Porto Alegre (RS).
Em 13 de julho de 2023, um funcionário da manutenção em Ribeirão relatou que a aeronave apresentava “restrições de gelo” e recomendou que trajetos ao Sul do país fossem evitados — no entanto, o avião foi no mesmo dia a Porto Alegre, onde a falha no sistema de degelo também foi reportada por mecânicos locais.
Em Porto Alegre, a equipe de manutenção também informou que o limpador de para-brisa estava quebrado e detectou uma pane no sistema de alerta de aproximação com o solo. No dia seguinte, o relatório apontou apenas “restrição de gelo”.
No dia 14 de julho, quando o turboélice já havia voado para Congonhas, funcionários de São Paulo relataram o problema no sistema anticongelamento — e voltaram a recomendar que a aeronave não voasse para o Sul.
De acordo com os relatórios internos da VoePass, quatro dias depois, no dia 18, ainda em Congonhas, o avião apresentava sistema de degelo e gerador elétrico inoperantes.
No final do dia 18, uma nova inspeção na aeronave em Ribeirão Preto detectou que, além do degelo e do gerador, o indicador de situação horizontal também estava com defeito.
O comandante Ruy Guardiola, ex-funcionário da empresa aérea VoePass e um dos primeiros pilotos do modelo ATR no Brasil, contou à TV Globo que, durante um voo da companhia, a equipe da manutenção usou um palito de fósforo para resolver um problema no botão que aciona o sistema antigelo de uma das aeronaves.
O episódio com o palito ocorreu em 2019, quando Guardiola trabalhou por um mês na então Passaredo (que passou a se chamar VoePass exatamente naquele ano). Fundada em 1995 em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, a companhia aérea é a mais antiga em operação no país e é especializada em voos regionais.
“O problema foi detectado no nível de aquecimento de um dos sistemas. A solução encontrada pela manutenção foi a colocação de um palito de fósforo, ou sei lá, um palito de dente. Eu vi com esses olhos que a terra há de comer”, contou o piloto.
Também ex-funcionário da empresa, um comissário – que pediu para não ser identificado – contou que havia um avião da companhia conhecido como “Maria da Fé” tamanha a precariedade de sua situação.
“A empresa colocava a segurança em segundo ou terceiro plano. Visava mais o lucro, e a gente tinha um avião que apelidava de Maria da Fé, pra você ter ideia. Porque só voava pela fé. Porque não tinha explicação de como um avião daquele estava voando”, diz o ex-funcionário.
Identificação dos corpos
A força-tarefa do Instituto Médico Legal (IML) Central da capital paulista já identificou 60 dos 62 mortos no acidente aéreo. A maioria dos corpos foi identificada por coleta de digitais e reconhecimento de parentes.
Ao todo, 30 corpos já foram liberados aos familiares para que sejam realizados os enterros. Os nomes dos mortos identificados não foram divulgados pelo IML.
À medida que os profissionais avançam com os trabalhos, familiares das vítimas, que estão hospedados em um hotel no centro, são chamados ao Instituto Oscar Freire, localizado ao lado do IML, para fazer o reconhecimento.
Investigações
Na segunda-feira (12/8), o o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou ter concluído a primeira etapa da investigação, a ação inicial, que consiste na coleta de informações no local do acidente. Agora, tem início a etapa da análise de dados. Um relatório preliminar deve ser divulgado em 30 dias.
A equipe da Polícia Federal (PF) designada para investigar o acidente aéreo aguarda laudos do Instituto Nacional de Criminalística (INC) e da Força Aérea Brasileira (FAB) para descobrir a causa da tragédia e indiciar eventuais responsáveis.
O áudio da caixa-preta do avião foi revelado pelo Laboratório de Leitura e Análise de Dados de Gravadores do Cenipa. Segundo dados do aparelho, o último som registrado pelos gravadores foram gritos. Os áudios e a transcrição das gravações foram revelados pelo Jornal Nacional.
Fonte: Metrópoles